Um futuro em que todos saberão programar, em que as empresas serão formadas por times autossuficientes, e no qual a inteligência artificial será apenas um fato da vida, e não uma ameaça iminente. É assim que Martin Fowler, cientista-chefe da consultoria ThoughtWorks e criador do método Agile, vê os anos que se aproximam.
Fowler é conhecido no mundo do software — e dos negócios em geral — por ser um dos criadores da metodologia Agile, elaborada em 2001 por um grupo de nerds em um resort de surfe, com direito a um manifesto recitado hoje por todo desenvolvedor que se preze. A princípio voltada apenas para programadores, a metodologia Agile foi rapidamente adotada por milhares de empresas, seja na gestão do negócio, seja no gerenciamento de projetos.
Dezoito anos depois, seus princípios estão mais atuais do que nunca. O primeiro é ignorar planos longos e detalhados e trabalhar com projetos em pequenas etapas, que devem ser testadas e comprovadas antes de se seguir em frente — não à toa, o método inspirou Eric Ries e seu The Lean Startup. O segundo princípio do Agile é criar times autônomos, que decidem como trabalhar, com interferência mínima dos gestores. “Prazos e orçamentos não são importantes, e sim o valor que o projeto agrega à empresa”, diz Fowler.
De passagem por São Paulo para a conferência XConf, promovida pela ThoughtWorks e voltada a “pessoas que se importam profundamente com software e seu impacto no mundo”, Fowler falou com exclusividade a Época NEGÓCIOS.
De 2001 para cá, a metodologia Agile foi adotada por milhares de empresas em todo mundo. Acha que os princípios continuam valendo?
Sim, acho que o manifesto envelheceu bem, tudo ali continua valendo. O grande problema hoje é que muitas organizações usam o nome Agile, mas não seguem os princípios. Elas subestimam a dificuldade e o nível de mudança organizacional necessário para se tornar uma empresa Agile. Elas acham que é só implementar alguns processos, comprar uma ou duas ferramentas e dar treinamento, e daí em um ano e dois a empresa estará pronta. Não funciona assim. Para que a metodologia realmente funcione, é preciso uma mudança cultural muito grande. Não há mais um comando central, que decide o que deve ser feito, e sim times focados em um determinado problema, com total liberdade para encontrar suas próprias soluções. O papel do líder é apenas coordenar e alinhar esses times. Essa mudança é a maior barreira para que as empresas adotem o nosso método.
Se você fosse convencer um executivo a adotar o método Agile, o que diria?
Eu costumo dizer a eles o que é e para que serve, e daí cabe a eles decidir se o método se aplica às circunstâncias da empresa. O princípios Agile foram criados para mudar a maneira como era realizado o desenvolvimento de software. Nos anos 90, tentava-se imitar a maneira como os engenheiros construíam prédios. Uma empresa fazia um plano de construção bem detalhado, e daí passava para uma segunda empresa, que executava o plano. O problema é que, no mundo do software, não há como fazer um plano detalhado desde o começo, porque não sabemos o que o usuário quer, e a tecnologia muda rapidamente. O que percebemos é que precisávamos de uma nova maneira de pensar. Em vez de tentar eliminar a incerteza, decidimos tirar proveito dela. Um dos elementos-chave do método é a prática de construir pequenas peças e testá-las em um ciclo muito rápido.
+Os algoritmos de inteligência artificial podem ser éticos?
O método Agile também muda a maneira de trabalhar em equipe.
Sim, a maneira como os times funcionam é fundamental. No formato tradicional, o chefe dá instruções detalhadas ao gerente sobre o que fazer, e estes repassam as ordens para os funcionários. Mas nós vimos o que estava acontecendo no mundo da manufatura, especialmente na Toyota. Eles começaram a experimentar com equipes que tinham autonomia para tomar suas próprias decisões. Nós abraçamos esse modelo. No método Agile, cada time recebe um problema e decide como irá trabalhar. O papel do gerente é alinhar os diferentes times para que caminhem na mesma direção. Quando a empresa faz isso, percebe que as equipes ficam muito mais eficientes e produtivas.
Você acha que todo mundo deveria aprender a programar?
Acho que todos deveriam aprender alguns aspectos de programação, dentro de suas áreas, para ter mais controle sobre o que fazem. Não são muitas as pessoas que se capacitam para controlar as máquinas. Eu encorajaria as pessoas a aprender a programar e não ter medo disso, porque programadores fazem parecer mais complicado do que é. Dessa maneira, também teriam menos medo da inteligência artificial.
Acha que as pessoas exageram no seu receio em relação à IA?
É importante entender que o que podemos fazer hoje com IA é muito mais limitado do que o que as pessoas pensam. Nós só nos tornamos melhores em criar sistemas que aprendem a identificar padrões. Pense em reconhecimento facial, por exemplo. Parece incrível, porque é algo totalmente novo. Mas, na prática, você dá à máquina um monte de rostos e ela começa a enxergar os padrões. Tendo dito isso, a automação vai afetar os empregos, isso é certo. Certas habilidades vão se tornar obsoletas, e o modo como as pessoas trabalham vai mudar. A história mostra que, quando isso acontece, empregos somem em um lugar e aparecem em outro. Mas a transição é sempre difícil.
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