"Eles querem colocar o partido conservador dentro do espaço da escola, tirando a pluralidade", diz presidente da CNTE
Alunos em filas separadas por gênero cantam o hino nacional antes de entrarem à escola. Todos uniformizados, se dirigem às salas de aula em silêncio onde terão uma longa jornada de estudos. Ao entrar na sala, o professor exige que todos se levantem e o “chefe da turma” faz então a apresentação do grupo e relata o nome e sobrenome dos alunos faltantes. Alguns deles até foram à escola, mas não puderam entrar porque usavam uma meia de uma cor diferente ou apresentavam um corte de cabelo moderno demais.
Essa é a rotina de uma escola militar no interior de Minas Gerais, onde a disciplina e uniformização são mais valorizadas do que o aprendizado coletivo. Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Heleno Araújo, esse tipo de prioridade não coincide com os valores democráticos.
“Essa ideia de colocar militares para fazer a gestão da escola pública porque tem disciplina, porque tem ordem, porque tem controle, porque os alunos todos têm que cortar o cabelo, tem que usar roupa que eles determinarem. Isso não é o tipo de sociedade que nós desejamos no Brasil”.
A opinião de Araújo é compartilhada pelo ex-ministro da Educação durante o governo Dilma Rousseff (PT), Aloízio Mercadante. “Os dois valores essenciais de uma escola militar são hierarquia e disciplina, é o rigor. Nós precisamos formar o cidadão para conviver na sociedade, para ter uma cultura de solucionar os conflitos, pelo diálogo, pela paz, uma cultura de paz, o respeito ao outro. Por isso que a formação em filosofia, sociologia, cultura, em valores humanistas, é essencial no projeto pedagógico universal”.
Na última semana, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), anunciou a transformação de quatro escolas públicas do DF em escolas militares. O decreto oficializa uma parceria entre as Secretarias de Educação e a de Segurança Pública e define as diretrizes e metas para o projeto.
Para Mercadante, a decisão do governo do DF viola o princípio da gestão democrática da escola, previsto no Plano Nacional de Educação e nos Planos de Desenvolvimento estaduais, como no caso do Distrito Federal, por não consultar a comunidade acadêmica sobre as mudanças. As quatro escolas públicas do DF, localizadas na Estrutural, Ceilândia, Recanto das Emas e Sobradinho foram escolhidas, segundo o governo distrital devido ao “alto índice de criminalidade” e ao “baixo desempenho” dos estudantes. O Ministério Público do DF já foi acionado por parlamentares para que tente barrar a medida.
Segundo o secretário de Educação do DF, Rafael Parente, caso o projeto dê bons resultados, “a ideia deve ser incorporada em outras 36 escolas do Distrito Federal”. Cada uma das unidades receberá de 20 a 25 militares que deverão integrar o quadro de servidores. O custo para a implementação da proposta em cada escola é orçado em R$ 200 mil por ano. Essa despesa deverá ser custeada pela Secretaria de Segurança Pública.
A proposta vai na mesma linha do ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez, que criou uma secretaria especial de Fomento às Escolas Cívico-Militares. Pelo decreto que cria essa secretaria, a adesão dos estados e municípios ao modelo de educação cívico-militar será voluntária e a decisão caberá aos governos regionais.
No texto, o Ministério da Educação afirma que “buscará uma alternativa para formação cultural das futuras gerações, pautando a formação no civismo, na hierarquia, no respeito mútuo sem qualquer tipo de ideologia tornando-os desta forma cidadãos conhecedores da realidade e críticos de fatos reais”. Um dos principais argumentos utilizados pelos defensores da proposta é o “alto desempenho de colégios militares em avaliações nacionais”. Em 2012, as escolas militares se destacaram entre as 30 com melhor resultado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Um resultado que é questionado pelo representante dos trabalhadores da educação, Heleno Araújo.
“Nós entendemos que o Ideb é insuficiente para de fato avaliar a qualidade da educação. O Ideb trata apenas da prova de matemática e português e da taxa de aprovação. Ela não cuida da situação de infraestrutura nas escolas, da situação socioeconômica dos estudantes, dos profissionais da educação, das realidades distintas que temos nas escolas públicas”.
Além disso, lembra Mercadante, o acesso às escolas militares no Brasil não é universal e se dá por meio de processos seletivos, de modo que já no ingresso, há uma seleção dos alunos com maior rendimento escolar, o que não representa o universo dos estudantes brasileiros e suas particularidades.
IFEs: referência de qualidade de uma educação civil
O ex-ministro da Educação, Aloizio Mercadante, lembra o exemplo dos Institutos Federais de Educação (IFE), que apresenta resultados comparáveis “aos melhores sistemas educacionais” do mundo.
“Se os Institutos Federais fossem um país, competindo com os 70 países mais ricos do mundo, eles ficariam em segundo lugar em linguagem, em 11º lugar em ciências e em 30º lugar em matemática, o que é um desempenho fantástico. O que mostra que quando você tem carreira docente, estrutura, laboratórios, espaço, de preferência escola em tempo integral, você consegue um resultado que se assemelha às economias mais ricas do mundo, aos melhores sistemas educacionais. O desafio é fazer isso ser de acesso universal”.
Para Heleno Araújo, a opção de militarizar as escolas no Brasil vai na direção de impor uma determinada concepção de mundo e acabar com a pluralidade no ambiente escolar.
“O que eles querem de fato é colocar o partido conservador, o partido deles, a ideia deles dentro do espaço da escola, tirando a diversidade e a pluralidade que temos no espaço escolar”, contesta.
Falta de autonomia e formação acrítica caracterizam educação militarizada, diz estudo
Segundo um estudo realizado pelos professores Alessandra de Araújo Benevides e Ricardo Brito Soares, ambos da Universidade Federal do Ceará (UFC), “a linha pedagógica militarizada trabalha qualidades não-cognitivas dos alunos, como a disciplina, respeito à hierarquia, trabalho em equipe e o cuidado com a higiene corporal. Por outro lado, professores, pedagogos e estudiosos apontam que este tipo de escola forma uma massa acrítica de estudantes, pautados mais pelo medo que pelo respeito. O excesso de disciplina e as consequentes sanções para o aluno que quebre as regras pode trazer prejuízo social e psicológico”.
Sobre a autonomia da gestão nessas escolas, os pesquisadores destacam que “no caso do colégio da polícia militar, o comandante (diretor) é indicado pelo comandante da Polícia Militar e é sempre um coronel da ativa do quadro de oficiais”.
Leonardo Fernandes*
Prioridade De Bolsonaro, Escolas Militares Sobrepõem Disciplina À Formação Humanista | Brasil de Fato
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