No dia 25 de janeiro, mais um crime ambiental de responsabilidade da Vale aconteceu em Minas Gerais. Por volta das 13h, cerca de 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração foram despejados sobre comunidades e rios após o rompimento da barragem Mina do Feijão, localizada em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Há três anos, o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, que deixou 19 mortos e contaminou todo o curso do Rio Doce com rejeitos tóxicos foi considerado o maior desastre ambiental do país. Já em Brumadinho, considerado o maior acidente de trabalho da América Latina, o número de mortes é 50 vezes maior, com 134 mortes, confirmadas até agora. O número de vítimas fatais pode aumentar, já que ainda há 199 pessoas desaparecidas entre moradores da comunidade e funcionários e terceirizados da Vale.
No crime de Mariana, a lama percorreu 663 quilômetros até encontrar o mar, no estado do Espírito Santo. No caso de 2015, foram 43,7 milhões de m³ de lama. Até agora, ninguém foi responsabilizado pelo rompimento da barragem. A Vale foi multada em 1.3 bilhões de reais, mas até agora pagou apenas cerca de R$ 41 milhões. Em Brumadinho, a lama, que se locomove na velocidade de 1km/h, já contaminou 205 dos 501km do Rio Paraopeba, já considerado morto por entidades ambientais. Agora, a preocupação é com o Rio São Francisco, que, caso não seja tomada uma série de medidas de contenção da lama e seus resíduos, pode ser contaminado através do Rio Paraopeba, que é um dos seus principais afluentes.
Nesse momento, diversas entidades que vêm acompanhando o caso têm discordâncias quanto a chegada da lama no São Francisco e suas consequências. O que se sabe é que 18 milhões de pessoas que vivem em 505 municípios de seis estados que são abastecidos pelo rio podem ser atingidas, conforme dados da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).
Contaminação do São Francisco
As cidades de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) ficam no Vale do São Francisco e formam um polo de fruticultura irrigada para exportação. Lá, a população está receosa com a possibilidade de contaminação do rio, já que a atividade econômica de empresas e de milhares de famílias vem do rio. Maria Alice Borges da Silva, ribeirinha e presidenta da associação de pescadores de lagoa do curralinho, comunidade de Itamotinga, zona rural de Juazeiro, teme a capacidade de diluição do resíduo tóxico nas águas do Velho Chico “O rio já vem sendo impactado com outras coisas que já acontecem. Tem o despejo de agrotóxicos do agronegócio, o esgoto, mas a lama é uma preocupação grande, porque a gente sabe que não vai chegar uma lama, mas vem coisas misturadas na água”.
Logo após o crime em Brumadinho, 16 membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) estão monitorando diariamente a trajetória da lama até a barragem de Retiro Baixo, onde se espera que a lama fique contida. Até o momento, as análises apontam a presença de sedimentos de minério de ferro, mas o comitê descarta a possibilidade, afirmando que as barragens de Retiro Baixo e Três Marias, que ficam em Minas Gerais, podem conter os resíduos tóxicos, como assegura João Pedro da Silva Neto, membro do Comitê, “O ideal é que essas barragens parem de funcionar, porque a água chega contaminada. O que vai acontecer quando chegar nas barragens ainda é uma incógnita, precisamos aguardar”. Ele também não esconde a preocupação caso as medidas tomadas até agora não impeçam a contaminação “Nós não temos alternativa de manancial. Só temos uma forma de abastecimento de água em toda a região, que é pelo Rio São Francisco. Isso é muito sério, porque não há outra alternativa”.
Controvérsia
A Vale informou em nota que no fim de janeiro apresentou para o Ministério Público e órgão ambientais um plano de contenção de rejeitos da lama tóxica. O plano prevê a construção de diques e a implantação de três barreiras de contenção, com uma membrana no leito do rio que retém sedimentos. As membranas foram instaladas em três pontos do rio na última terça (5). Além disso, a empresa afirma que foram instalados 45 pontos de monitoramento, com coletas diárias de água e de sedimentos para análises químicas. Em outros quatro pontos, é feita análise de turbidez a cada hora.
Contudo, entidades ligadas ao meio ambiente e saúde afirmam que as medidas não são eficientes e tem apenas caráter paliativo. A Fundação SOS Mata Atlântica, que também tem feito análises recorrentes na região concluiu que em 11 pontos a situação é de “água com condição péssima”. A fundação afirmou que as membranas retiram apenas 50% dos rejeitos tóxicos e que há pontos em que a turbidez da água está seis vezes acima do limite estabelecido pela legislação brasileira.
Já A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizou na terça (5) um debate sobre os impactos para a saúde decorrentes do crime ambiental em Brumadinho. Mesmo com as medidas da Vale, técnicos da fundação reafirmaram que a hipótese de contaminação não pode ser descartada e, caso a contaminação se confirme, é fundamental manter um programa de vigilância de qualidade da água.
Mobilização
Mesmo com a incerteza da possibilidade de contaminação, a sociedade vem se mobilizando para conscientizar e alertar sobre os riscos e cobrar da Vale e das autoridades medidas efetivas. No Vale do São Francisco, movimentos populares, estão planejando um ato no dia 25 de fevereiro, data em que o crime de Brumadinho completa um mês. Outros atos também vêm sendo organizados em cidades em todo país.
Na Assembleia Legislativa de Pernambuco, o deputado estadual Lucas Ramos (PSB) propôs a criação da Frente Parlamentar em defesa do São Francisco. Aprovada na última quarta (06) com unanimidade na ALEPE, a Frente fará parte de discussões nacionais e reuniões de planejamento com setores do poder público responsáveis pela regulamentação e fiscalização de barragens e outros temas relacionados ao rio. Para o deputado, a Frente tem a possibilidade de contribuir para que “tragédias como a de Brumadinho e a de Mariana não voltem a ocorrer no Brasil”. Ramos também afirmou que a Frente participará da 58ª Reunião Ordinária do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas, que acontece na próxima quarta-feira (13). Na ocasião, parlamentares de Pernambuco, Minas Gerais e a diretoria executiva do CBHSF vão inserir o São Francisco na discussão política e nos encaminhamentos e propostas que têm sido formulados após o rompimento da barragem da Vale na cidade de Brumadinho.
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